terça-feira, 30 de novembro de 2010

Greve

O que é? É a paralisação voluntária e colectiva do trabalho, realizada pelos trabalhadores.
Porquê fazer? Ou por que não fazer? Quais as vantagens? Quais os inconvenientes e as consequências? As greves têm um objectivo de luta. De lutar contra aquilo com que os grevistas estão descontentes. Assim, o objectivo, em geral, é a reivindicação do aumento de salários e de melhores condições de trabalho.
Tanto no caso de greve de funcionários públicos, como nas greves da Carris, do Metro ou da CP, por vezes, as pessoas que saem prejudicadas são os cidadãos que não têm culpa da situação que leva à greve. E não deveria ser assim, pois a greve tem como objectivo atingir os governantes. Nem toda a gente fica feliz com a situação que se coloca perante uma greve, antes pelo contrário. As pessoas tendem a ficar indignadas por terem que faltar ao trabalho, por não terem onde deixar os filhos, … Podemos dizer, que as greves nem sempre são fáceis de entender. É sempre necessário saber defender as nossas ideias, aquilo em que acreditamos, e mais importante, é necessário respeitar qualquer decisão que as pessoas tomem. Há diversas formas de protesto, que podem ter mais impacto e menos prejuízos, como: manifestações ou também, por exemplo, não cobrar bilhete aos utilizadores dos transportes públicos.
O direito à greve. Este direito é individual, embora seja necessariamente colectivo. Nenhum trabalhador pode ser obrigado a aderir à greve ou impedido de aderir a esta pelo seu sindicato, pois, a greve é um acto individual e livre. A decisão do trabalhador de aderir, ou não, deve ser previamente reflectida, decidida e declarada a nível colectivo, sendo que não há nenhuma restrição face ao sector que pode fazer greve. É por esse motivo que, a greve deve ser antecipadamente avisada por quem a organiza. Tendo sido a greve correctamente declarada, são várias as consequências que provêm desta, como é o caso do salário, que pode ser reduzido. Numa greve é essencial que exista um pré-aviso, cujos termos estão definidos legalmente e que devem abranger todos os sectores de actividade.
Pode-se portanto concluir que a greve é um direito dos trabalhadores, legalmente previsto pela Lei da Greve, Lei nº65/77 de 26 de Agosto e que, de acordo com o Art.1 dessa mesma lei, é um direito irrenunciável nos termos da Constituição.

Greve a favor ou contra?

Na situação actual de crise económica em que se encontra Portugal, o resto da Europa e ainda alguns outros países a desmoralização e o descontentamento social generalizaram-se. Alguns encontram como resposta as greves para demonstrar a sua frustração para com a condição económica do país.
Na minha opinião a conjuntura na qual nos encontramos em Portugal é sem precedentes logo é necessária uma resposta, uma reacção algo que alerte o Governo de uma maneira ainda mais óbvia o descontentamento social.
Nunca fui muito a favor das greves dos funcionários públicos antigamente, mas como disse anteriormente, de momento, é mais que justificável. Na minha opinião pelas seguintes razões:
Usando esse exemplo das greves actuais dos funcionários públicos. Pois a greve anunciada faz propaganda a uma greve que de maneira, racional e pacífica, defende e relembra os direitos já adquiridos pela função pública.
Pois o que está em causa não são ‘apenas’ os direitos económicos, ou seja a fraqueza dos salários, pois se assim fosse todo o movimento e a greve iriam ruir, mas também o apartamento, por parte do governo, de princípios que deveriam estar confirmados para garantir uma saudável convivência como sociedade una.
Pois o que está a acontecer em Portugal é deveras preocupante e devemos mandar uma clara imagem ao governo da nossa opinião sobre o que está errado.
Mas infelizmente, já existindo tantos trabalhadores da função pública que se encontram numa situação superficial de pobreza, poucos são os que se darão ao luxo de poder faltar a um dia ter dinheiro descontado do salário ao fim do mês.
Mas para esses trabalhadores é este o meu apelo. É necessário aderir a esta greve para serem ouvidos pois a situação tem que mudar e uma greve estruturada de maneira racional pode ser a solução para fazer a voz do povo ser ouvida.

  • Andreia Rosa

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Curriculum vitae

Na verdade, falar sobre mim é talvez uma das piores qualidades que possuo.
Todos os dias, acordo com uma realidade que é a de ter tido um cancro. Vamo-nos cruzando com vários obstáculos ao longo da vida, uns mais fáceis e outros mais difíceis de ultrapassar. Este, posso dizer que é um obstáculo mais difícil. Quando temos uma doença deste género, preocupamo-nos logo com as mudanças físicas que vai provocar em nós, mas isso não é o mais importante, pois o que somos por dentro é que é. Com esta “experiência” tive uma oportunidade que raramente temos, a de ver a vida com outros olhos, com os olhos de pessoas que têm problemas toda a sua vida e que tem de conviver com isso todos os dias, apesar de neste caso não durar para sempre.
                Passei grande parte do meu 9º ano em hospitais, principalmente no I.P.O. (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa. O tempo que ali passei, chegou para perceber que nem todos temos a mesma reacção quando recebemos uma notícia desta dimensão. Fui vendo pessoas fragilizadas, que não aceitavam ter a doença, outras que embora aceitassem, os pais não queriam reconhecer. O ambiente que se gera à nossa volta numa situação destas é muito importante para a forma como encaramos tudo isto. Se nem os nossos pais são capazes de aceitar isso, então quem será? Outras, encaravam bem, apesar de sofrerem vários efeitos secundários, como a queda de cabelo, náuseas, vómitos, febre, alterações de pele e unhas, … Isto são só alguns exemplos, e ainda temos de lidar com os olhares fixos das pessoas. Não é nada fácil. Temos de tentar levar uma vida o mais normal possível, tentar manter a nossa rotina. Pode ser muito difícil, mas só assim conseguimos evitar irmo-nos abaixo. Temos de mostrar que somos pessoas normais, que lá por termos uma doença, não somos anormais nenhuns. É nestas alturas, que podemos ver quem são as pessoas mais verdadeiras e as que não se importam com o nosso aspecto, mas sim com o que somos no interior. E vim a descobrir, que tenho mais amigos do que julguei. O seu apoio foi incondicional e muito importante para a maneira como encarei o cancro. Assim como o apoio da minha família.
                Vê-se desde recém-nascidos até idosos. Mas, na pediatria, onde fui tratada, apenas convivia com jovens até aos 18. Lutamos todos para combater a doença, mas nem sempre somos bem sucedidos. Alguns têm recaídas e outros chegam a falecer. Mas, não é por isso, que os pais, a família e os amigos se vão abaixo, muito pelo contrário. Grande parte das vezes, torna-se num encorajamento para fornecer às crianças oncológicas uma vida o mais regular possível, criando associações, honrando assim a memória dos filhos. Desde idas a programas televisivos, passeios de catamarã, idas à Disneyland, campeonato GT de Espanha, ida ao Rock in Rio, à Kidzania, até motas de água e equitação. Uma das associações com a qual fui a diversas actividades e de que neste momento sou voluntária, é a Associação Inês Botelho. Fundada pela mãe da Inês, Isabel, que quando a filha morreu, juntamente com o resto da família criou esta associação para dar mais alegria na vida de jovens que passaram por este tipo de situação.
A cada dia que passou, fui-me tornando mais forte, pois não fui imune ao sofrimento. Aprendi e cresci. Devemos aproveitar todos os segundos de cada dia, pois nunca sabemos o que se irá passar nos segundos a seguir. Por esse mesmo motivo, enfrento todos os desafios que se põem no meu caminho como novos obstáculos. Uma coisa que nunca abandono é a felicidade, pois ser feliz é isso mesmo, viver a vida, enfrentados os estorvos que se vão atravessando no caminho.

Madalena Resende


Porquê fazer greve? Porque não fazer greve?

          Na passada aula de Português, dia 27 de Outubro de 2010, surgiu esta questão: ‘’Porquê fazer greve? Porque não fazer greve?’’. A opinião da turma não era unânime, por isso nesta página de Word posso explicar o que penso sobre este tema.
          Greve, cessação colectiva e voluntária do trabalho realizada por trabalhadores com o propósito de obter benefícios, como aumento de salário, melhoria de condições de trabalho, direitos trabalhistas ou para evitar a perda de benefícios. A quem aderir à greve é descontado no salário esse dia de trabalho.
          Mas como tudo, a greve tem prós e contras. Devemos fazer greves para manifestar a nossa opinião sobre algo, assim estaremos a faltar ao nosso trabalho e logo à partida estamos a mostrar que estamos indignados com alguma coisa. Existe uma lei que diz que ‘’ A entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde aquela data, admitir novos trabalhadores.’’. Com esta lei a sociedade é afectada, ou seja, o papel dos grevistas está feito – afectar a sociedade e mostrar a sua indignação. Mas no caos que está o nosso país não vale a pena fazer greves. Aliás, talvez vale a pena para que haja uma queda do estado e assim talvez pudesse-mos ter eleições mais rapidamente.
          Estão a anunciar uma greve geral do estado para os próximos dias, neste caso não concordo com a adesão a esta greve pois todas as pessoas que aderirem não iram receber o salário desse dia e o governo irá ficar com esse dinheiro. O propósito é precisamente o contrário. Parar com a diminuição dos salários da função pública. Será o melhor método aderir à Greve Geral da Função Pública agendada para o dia 24 de Novembro? Na minha opinião, não. O melhor método será não aderir à greve.

Margarida Gomes
Mito de Narciso
Narciso era um jovem que possuía uma beleza natural, muito diferente de todos os outros. Já desde criança que fora abençoado com esse “dom”. No dia do seu nascimento, o adivinho Tirésias profetizou que Narciso teria uma vida longa desde que nunca contemplasse a sua imagem. No entanto, quando atingiu a juventude, a sua beleza atraiu inúmeras raparigas, rapazes e até ninfas, incluindo Eco. Esta não foi correspondida e por esse mesmo motivo, ficou desesperada, retirando-se para morrer sozinha. Mas antes, pediu à Deusa Nemésis para a vingar. Muitos mais foram desprezados e lançaram-lhe uma maldição: que embora, pudesse amar alguém, não podia possuir o objecto do seu amor.
Como prometido, a Deusa Nemésis, vingou Eco. Durante uma caçada, Narciso fez uma pausa junto a uma fonte de águas claras e vendo o seu reflexo, pensou que estava a observar outro ser. Ficou imobilizado e nunca mais conseguiu afastar os olhos daquela imagem, a sua imagem. Apaixonado por si próprio, Narciso mergulhou os seus braços na água para abraçar a imagem que não parava de se desviar. Ao fim de algum tempo, acabou por perceber que era ele mesmo o objecto do seu amor, torturando-se por esse desejo impossível. Ao chorar por não poder capturar a imagem, as suas lágrimas turvaram o lago e fizeram desaparecer a sua imagem naquela água perturbada. Desesperado, ficou a contemplar-se até morrer.
Enquanto as Dríades preparavam o seu funeral encontraram uma flor de centro amarela com pétalas brancas, em vez do corpo, que em sua honra se passou a chamar Narciso.
Podemos concluir que este mito alerta as pessoas sobre o excesso de vaidade, cujo resultado, neste caso, é a morte. No entanto, Narciso também afasta tudo aquilo que não é o seu reflexo e espalha a dor e o sofrimento entre as ninfas que se apaixonam por ele. Por estar cego pela sua própria beleza, despreza a realidade ao seu redor.
Podemos dizer que o ser humano necessita de se auto-endeusar e enquanto, procura esse prestígio adverte-se a si mesmo. O narcisista tem como objectivo rebaixar todos à sua volta, de modo a poder valorizar-se, aumentado o seu ego. É essa auto-adoração que o leva muitas vezes à crueldade, pois a imagem que criou de si próprio, não passa de um mito.
                                                                                                                  
Madalena Resende

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Comentário

O texto apresentado fala-nos de uma imagem que criamos de nós mesmos. No entanto no início do texto vemos apresentada uma pergunta, 'E a nossa própria imagem não somos nós num efeito quimérico de luz?',ou seja, mas será que essa imagem somos realmente nós ou será um efeito quimérico, (entendendo quimérico como uma ilusão, uma utopia), pergunta o autor.
Na minha opinião podemos comparar a imagem de uma pessoa com um livro enganoso, por fora pode parecer uma bela história cheia de risos, amor, amizade que todos invejamos e desejamos ser mas que na realidade está coberta de promessas por cumprir, lágrimas e paixões não correspondidas.
Com isto não tento dizer que as pessoas nos tentam enganar dando-nos uma imagem diferente por qualquer razão mas quero na realidade distinguir o reflexo da reflexão, o que somos do que parecemos ser. Pois ninguém é perfeito, ninguém é claro como água, ninguém dá tudo de si, bom ou mau e espera uma resposta sem receios.
Todos temos faltas, defeitos e erros. Mas isso é comum, logo, quem poderá dizer que a sua reflexão é uma realidade de si sem enganos? Nunca a nossa reflexão é totalmente verdade por isso o autor refere o efeito quimérico que nos atinge a todos, essa ilusão superficial que damos ao outros na nossa reflexão.
Este efeito é inevitável é como uma dor de cabeça que nunca passa ou como um pensamento de nos domina de dentro de nós para o exterior.
Podemos então admitir que a nossa reflexão, o que damos aos outros, pode ser um ilusão tão perfeita como a mais bela obra de arte que começa a ser criada dentro de nós até crescer tal como as plantas que constituem a flora ou os animais que constituem a fauna que acabam por se projectar aos outros tudo o que criamos no nosso mais íntimo.
Será que existe então alguém que não mantenha a sua reflexão como uma utopia ou será que todos nos iludimos a nós e aos outros?

Andreia Rosa

Comentário

          Eu penso que o autor pretende passar a imagem da ilusão que o homem vive, pois o homem ao avaliar-se cinge-se muito à sua aparência. E a aparência é apenas uma parte do que somos. Por esse motivo, o autor faz a pergunta “E a nossa própria imagem não somos nós num efeito quimérico de luz?”. Estamos presos à nossa aparência e esta muitas vezes determina o que podemos fazer e o que somos para os outros, pois todos temos o hábito de pôr um rótulo às pessoas. Podemos dizer que o provérbio “As aparências iludem” se enquadra neste contexto. Ainda falando na pergunta que o autor faz, ao lermo-la vemos que utilizou uma palavra muito importante, a palavra luz. E o que significa esta palavra no meio desta pergunta? Não seria a mesma coisa com ou sem esta? Na minha opinião, não, pois sem luz não vemos. É a luz que nos permite visualizar um reflexo de nós próprios, permite-nos ter uma ideia daquilo que somos. Dá-nos cor. Mais à frente, quando o autor compara a dor de cabeça ou qualquer pensamento a esta ilusão, podemos depreender que ambos estes exemplos nos afectam e isso transparece cá para fora, chegando muitas vezes a afectar os outros. Isso acorrenta o homem, obrigando-nos a criar uma imagem exterior daquilo que não somos. Sendo esta apenas uma sombra. É esta sombra que leva os outros a criar uma imagem nossa que não corresponde aquilo que somos. Trazendo-nos de novo para a questão da uma ilusão. Se nem nós conseguimos decifrar tudo aquilo que somos? Quem o conseguirá? A esta pergunta temos uma resposta na frase que se segue “A obra de arte é a projecção, no exterior, da Fauna e Flora criadas na nossa intimidade.”. A arte é o espelhar do nosso mundo, o reflexo de sentimentos e emoções que não conseguimos transmitir, projectar. Não nos vemos por dentro e por esse motivo, não vemos quem realmente somos. Só iremos poder conhecer-nos quando conseguirmos exprimir tudo o que existe dentro de nós. São estes sentimentos que fazem de nós aquilo que somos.
          Concluindo, eu penso que o autor se baseou nos mitos gregos, como o mito da caverna e o mito do narciso, que reflectem estes aspectos, principalmente o reflexo, a sombra daquilo que somos. Uma ilusão aos olhos da humanidade.

Madalena Resende




quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Comentàrio

Este texto refere uma transformação no interior do sujeito. De acordo com o texto, estamos condenados a sofrer essa transformação sem que tenhamos o desejo de a negar, porque, quando o autor fala deste efeito quimérico “como uma dor de cabeça”, ele quer dizer que é um efeito de que não nos podemos livrar facilmente. Além disso, quando se refere a “um pensamento que nos domina”, penso que se estará a referir a um processo em que, mesmo que não o queiramos, vamos pensar nele, ainda que não lhe demos importância. Assim, talvez nem nos apercebamos da transformação já referida. Eu penso nesta transformação como um progresso que só depende de nós, pelo qual passamos dentro do nosso interior, único espaço onde é possível acontecer.  
Maria Carmo

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Pascoaes sobre Camilo

«E a nossa própria imagem não somos nós num efeito quimérico de luz? Estamos nesse efeito quimérico, como numa dor de cabeça ou em qualquer pensamento que nos domina e pode artisticamente exteriorizar-se. A obra de arte é a projecção, no exterior, da Fauna e Flora criadas na nossa intimidade.»

Teixeira de Pascoaes, O Penitente

Espero pelos vossos comentários

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Joy Division, Isolation

Miguel Esteves Cardoso

"Lembro-me perfeitamente de não ter ido ver os Joy Division ao Electric Circus no Outono de 1977", escrevia, em Novembro de 1980, Miguel Esteves Cardoso (MEC), nas páginas do semanário O Jornal (numa crónica de título "Joy Division, a divisão e a visão da tristeza", mais tarde integrada em Escrítica Pop , livro originalmente publicado em 1982 e que o semanário Blitz reeditou em 2003, aquando da sua edição nº 1000). MEC viveu em Londres entre 1975 e 1979 e em Manchester em 1980 e 81, testemunhando assim em primeira-mão quer as explosões do punk, quer o nascimento da Factory em Manchester, pilar do período pós-punk. A agente de espectáculos Carmo Cruz, mãe das filhas de MEC (as mesmas Sara e Tristana que são alvo de dedicatória em Escrítica Pop e que inspiraram o título de um dos temas do álbum Amigos em Portugal , dos Durutti Column de Vini Reilly), acompanhou o cronista nesse período em Inglaterra e tem lembranças vívidas. "Conhecíamos bem o Tony [Wilson] e o [Alan] Erasmus, que era o sócio dele na Factory. Mais tarde, eles ficaram muitas vezes na nossa casa de São Pedro do Estoril e lembro-me que a mulher do Tony tinha um "affair" com o Vini [Reilly]. Costumava haver grandes confusões por causa disso". Carmo Cruz também se recorda da consternação sentida em Manchester nos dias que se seguiram ao suicídio de Ian Curtis, mas refere que o impacto foi sentido "junto de um número reduzido de pessoas - os Joy Division eram muito "underground"". O tempo pode ter agigantado o estatuto da banda de Unknown Pleasures e Closer , mas em finais dos anos 70 a famosa "cena" de Manchester era circunscrita. MEC reportou precisamente esse tipo de ambiente na já mencionada crónica d'O Jornal: "Lembro-me perfeitamente de não ter ido ver os Joy Division ao Electric Circus no Outono de 1977. Nessa altura chamavam-se Warsaw e nesse dia apoiavam uma banda muito apreciada em Manchester, os Buzzcocks. O concerto (se assim se pode chamar a uma espécie de hangar de aviação cheio de cripto-punks), lembro-me muito bem, passou completamente despercebido, inclusive por mim". A ironia apenas confirma a realidade - mais do que uma revolução generalizada e em larga escala, o punk inicialmente espoletou o espírito criativo e combativo de pequenas células dispersas pelo país.
Longe do "centro do mundo" que Londres parecia ser em 1977, situava-se uma Manchester pobre, desprovida de glamour pop e acinzentada pelas indústrias químicas estabelecidas ao seu redor. "Nessa altura", prossegue a crónica de MEC, "Manchester era um viveiro de bandas-que-queriam-ser e vivia-se uma atmosfera em que eram mais os que tocavam do que os que ouviam. O Electric Circus era apenas onde as bandas-aspirantes, disfarçadas de "público", iam espiar as bandas que tinham conseguido percorrer o espaço entre chão e palco. Quando os bombeiros e a polícia conseguiram fechar o sítio, houve um festival de despedida em que tocaram os espíritos musicais mais atilados de Manchester: os Buzzcocks, Magazine, The Fall, Slaughter & The Dogs e Warsaw". 

Texto de Rui Miguel Abreu, Blitz 

Adília Lopes

Autobiografia Sumária, de Adília Lopes

Os meus gatos
gostam de brincar
com as minhas baratas

[LOPES, 1987, em Obra, p.80]
(Autobiografia Sumária de Adília Lopes 2)

Não deixo a gata do rés-do-chão brincar com as minhas baratas porque acho que as
minhas baratas não gostam de brincar com ela.

[LOPES, 2000, em Obra, p.434]

sábado, 6 de novembro de 2010

Narciso

Ironia e Provincianismo

«É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redacções, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz. Assim, o maior de todos os ironistas, Swift, redigiu, durante uma das fomes da Irlanda, e como sátira brutal à Inglaterra, um breve escrito propondo uma solução para essa fome. Propõe que os irlandeses comam os próprios filhos. Examina com grande seriedade o problema, e expõe com clareza e ciência a utilidade das crianças de menos de sete anos como bom alimento. Nenhuma palavra nessas páginas assombrosas quebra a absoluta seriedade, se não fosse a circunstância, exterior ao texto, de que uma proposta dessas não poderia ser feita a sério.
A ironia é isto.»

Fernando Pessoa, «O Provincianismo Português», in Textos de crítica e de intervenção

Diário

O diário é um dos géneros da literatura autobiográfica mais comummente cultivados, pois é confidente tanto do homem público como do homem privado, tanto do escritor ilustre como do adolescente fechado no seu quarto ou da mulher a quem, ao longo da história literária, nem sempre esteve aberto o acesso à publicação.
O estatuto do diário é o da confidência: extroversão da vida íntima para um «amigo», o caderno de notas. Como na confidência, a relação entre o eu e o diário define-se pela contradição entre a vontade de falar e a de guardar segredo. O diário funciona de facto, muitas vezes, como interlocutor: quantos diaristas conversam com o seu diário, interpelando-o mesmo! Outras vezes, o diário funciona como sucedâneo dum interlocutor real, à falta dele ou por incapacidade de um relacionamento normal com outrem. No primeiro caso, […] o diário nasce de uma situação de isolamento. Escreve-se diário na prisão, quando se está privado de outro tipo de comunicação. Escreve-se diário a bordo, ou durante uma doença, ou no exílio. No segundo caso, o diário é igualmente o parceiro por excelência do diálogo.
Mas o diário pode não ser apenas um caderno de confidências. Pode voltar-se para o exterior e albergar impressões de viagem, comentários de leituras, reflexões políticas, estéticas, morais, etc. […] Por essência espaço de fundação e reconhecimento do eu, o diário pode tornar-se exercício intelectual e oficina de ideias. Nascendo duma situação unilateral de comunicação, em que o destinador e o destinatário são uma e a mesma pessoa, ele pode transformar essa situação em partilha com os outros. A prática diarística é, assim, o lugar dum duplo movimento, de interiorização e de exteriorização. Com a publicação, o texto é introduzido no sistema de consumo colectivo, perdendo o seu estatuto privado. O diário íntimo deixa de o ser, por vontade do seu autor ou por vontade alheia. Para os mais radicais, a publicação de um diário é uma contradição. […]
Mas, mesmo que se quebre a intimidade, pode ainda manter-se no texto um «efeito de intimidade». O estilo menos elaborado, por intenção ou por negligência, contribui para tal efeito, bem como o uso de iniciais para designar nomes de pessoas ou lugares, um menor grau de discursivismo, as formulações elípticas, etc. […]
A descontinuidade, o fragmentarismo são sinais distintivos do diário, que imediatamente o diferenciam da narrativa autobiográfica. O diário obedece a um modelo de narração intercalada, isto é, de enunciação que alterna com o acontecimento dos factos narrados. A datação das notas é um modo de significar essa construção fragmentada e sempre recomeçada. […]

Clara Rocha, Máscaras de Narciso, Coimbra, Almedina, 1992, pp.28-32

Autobigrafia

Género literário em prosa que consiste na narração ulterior do percurso existencial de um indivíduo pelo próprio.
O lexema complexo autobiografia é de origem alemã (Autobiographie), tendo sido pela primeira vez usado em 1789, por Friedrich Schlegel. A partir de 1800, surge com frequência na maior parte das línguas europeias. Esta formação do lexema resulta, em grande medida, do impacto que em toda a Europa tiveram as Confessions, de Rousseau, arrastando consigo o reconhecimento da existência de um novo género literário, num momento em que, aliás, se assistiu a uma verdadeira eclosão de géneros literários intimistas [o diário, as memórias (memorialismo), as narrativas de viagens, p. ex.]. Este novo género, porém, de acordo com a maioria dos estudiosos, não tem a sua origem nas referidas Confessions, mas sim nas Confissões, de Santo Agostinho. […]
A autobiografia, enquanto narração posterior e contínua distingue-se do diário, género fragmentário e não exclusivamente narrativo; das memórias, género em que a intenção documental articula o eu com o seu contexto histórico-cultural; das confissões, género que, originário da «literatura espiritual», conserva, na cultura secularizada dos nossos dias, a dimensão ética e judicativa própria da contrição; e ainda de certos géneros que lhe são tangenciais, como a epistolografia, a crónica, os relatos e diários de viagem. […]
Esta delimitação, nem sempre nítida, complica-se se fizermos intervir na análise um género como o romance autobiográfico, que vem fragilizar a coincidência de identidade entre personagem central, narrador e autor, ou seja o «pacto autobiográfico» apontado por Philippe Lejeune como critério distintivo da autobiografia. A questão, bastante complexa, ajuda a compreender as razões que conduziram a que a autobiografia seja hoje um dos géneros mais estudados e teorizados, já que ela levanta problemas recenseados já por Aristóteles – a relação entre realidade e ficção, por exemplo. […]
A teoria da autobiografia, […] terá passado por três etapas correspondentes aos elementos constituintes do lexema: o autos, o bios, e a graphé. Inicialmente, a crítica vê nos textos autobiográficos uma reprodução fiel da vida (bios). Na segunda etapa, em que a atenção se centra no autos, a autobiografia é vista como re-criação mais do que como reprodução. […] Finalmente, analisando a graphé, a crítica […] insistirá em que a fronteira entre autobiografia e ficção é de demarcação impossível.

Osvaldo Silvestre, «Autobiografias», in Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Lisboa/S.Paulo, Verbo, 1995

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O Carácter do Jovem

Depois do que dissemos, vamos tratar dos tipos de carácter, segundo as paixões, os hábitos, as idades e a fortuna. Por paixões entendo a ira, o desejo e outras emoções da mesma natureza de que falámos anteriormente, assim como hábitos, virtudes e vícios. Sobre isto também já falámos antes, e que tipo de coisas cada pessoa prefere e quais as que pratica. As idades são: juventude, maturidade e velhice. Por fortuna entendo origem nobre, riqueza, poder, e seus contrários e, em geral, boa e má sorte.
Em termos de carácter, os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se; mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus desejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosidade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem e ficam indignados se acham que são tratados injustamente. Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até porque o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa superioridade). Estas duas características são neles mais fortes do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apotegma de Pítaco em resposta a Anfiarau). Não têm mau, mas bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados. Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também os jovens sentem calor, por efeito natural, e porque ainda não sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabámos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmente esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá-los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar algo de bom é razão para se ter confiança. Também são envergonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas, pois só foram educados segundo as convenções). Também são magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é característica de quem se considera digno de grandezas; e isto é próprio de quem tem esperança.
Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conveniente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cálculo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto, os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e violência, contrariamente à máxima de Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injustiças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de insolência bem-educada.

ARISTÓTELES, Retórica